Português

Nota de tradução

O texto aqui patente, sobre a vida e a morte de judeus e judias da cidade alemã de Germersheim, vítimas do nazismo, é a tradução para português de um resumo de parte de uma obra histórica, originalmente em alemão, levada a cabo por alunas do Mestrado em Tradução da Área de Estudos Portugueses e Lusófonos da Faculdade de Tradução, Línguas e Culturas, em Germersheim, da Universidade de Mainz/Alemanha, sob a orientação de Angela Maria Pereira Nunes, em 2022 e 2023. O texto de partida, um resumo dos biogramas da obra “Exodus, Vertreibung, Shoah. Vom Leben und Sterben der Juden aus Germersheim 1933/1945″ (Êxodo, Perseguição, Shoah. Da vida e da morte dos judeus de Germersheim) do historiador alemão local, Hans-Jürgen Kremer, publicada pela associação cultural Verein Interkultur Germersheim e.V., no ano de 2021, foi elaborado para o projeto de tradução para várias línguas a ser aqui divulgado.

A tradução, além de equivaler a um resumo de uma obra muito mais vasta, não inclui material fotográfico que, por si só, passa informação complementar. Alguns dos biogramas são mais parcos em detalhes enquanto outros são bastante mais pormenorizados, dependendo este facto menos do resumo elaborado e mais do texto original e dos resultados da investigação histórica. Algumas informações de biogramas resumidos foram resgatadas na tradução para português devido à relevância que têm para os possíveis leitores, como foi o caso da referência à passagem de dois destes judeus por Lisboa. Sempre que possível, não se utilizaram palavras ou expressões que dificultam a compreensão de leitores dos diversos países lusófonos (nomeadamente “comboio” ou “trem”).

Tradução: Magdalena Franziska Gleis, Lea Chiara Wegner e Sofia Froehlich Kohl
Revisão: Magdalena Franziska Gleis e Angela Maria Pereira Nunes

Germersheim 31.7.2023


1. Ernst Cahn e Otto Cahn

Ernst Cahn (1873-1946) e Otto Cahn (1882-1920), apesar do sobrenome em comum, não tinham nenhum grau de parentesco. Eram ambos comerciantes, cujas famílias eram naturais da localidade de Rülzheim, situada a poucos quilómetros da cidade de Germersheim, um centro da comunidade rural judaica no Palatinado.

Ernst Cahn, filho do diretor da comunidade religiosa israelita de Germersheim, Raphael Cahn, virou as costas à sua cidade natal tendo o seu negócio prosperado na cidade de Mannheim. Teve três filhos: Elise (que faleceu com apenas 13 anos, em 1919), Erich e Kurt.

Otto Cahn, filho do comerciante de cereais Isaak Cahn, estabeleceu-se em Germersheim no início do século XX, assumindo um negócio de confeção de roupas femininas, comércio de tecidos e mercadorias manufaturadas, que pertencera a uma viúva judia. Em 1907, foi registado como proprietário da fábrica de charutos Lorenz, na localidade vizinha, em Lingenfeld, juntamente com o também comerciante Noë Rosenbaum. Alguns anos mais tarde, em 1912, foi eleito para a comissão da sinagoga de Germersheim.

Otto Cahn e a sua esposa Hedwig Cahn tiveram três filhos: Hans, Fritz e Walter Wolfgang. Nasceram entre 1912 e 1915, na rua principal de Germersheim, na Hauptstraße 136, logo antes de o pai ser convocado para a Primeira Guerra Mundial. O serviço militar impactou negativamente a sua já debilitada saúde: dois anos após a sua dispensa, com 38 anos, Otto Cahn faleceu. A sua viúva deu continuidade ao comércio de produtos manufaturados sustentando dessa forma os seus três filhos.

Após a tomada do poder pelos nacional-socialistas, uma onda de novas leis somou-se à já delicada situação económica, contaminando as esferas privada, social e política. A discriminação e a depreciação sistemática dos judeus, consagradas sobretudo pelas Leis de Nuremberga, que visavam alegadamente a „proteção do sangue alemão“, e que foram acatadas coniventemente pela população, faziam cada vez mais parte do cotidiano da família Cahn.

Um exemplo constituiu a interdição imposta em dezembro de 1935 que proibia que a empregada da família Cahn, Amalie Billmeyer, de 24 anos, continuasse a trabalhar naquela casa, em que morava o filho mais novo, Walter, de 20 anos, já que os nazis alegavam que Amalie era de „sangue alemão“. Temia-se uma relação entre os dois jovens que pudesse resultar na miscigenação que a ideologia nazi tentava impedir. Em decorrência da situação, Hedwig Cahn e os três filhos emigraram entre 1936 e 1938 para os Estados Unidos.

No outono de 1938, também os filhos de Ernst Cahn, Erich e Kurt, conseguiram emigrar; Ernst Cahn e a sua esposa, contudo, não tiveram a mesma sorte. Depois de já anteriormente terem sido forçados a deixar o seu apartamento amplo e confortável no centro de Mannheim, foram deportados a 22 de outubro de 1940 para o campo de internamento de Gurs, no sul da França, onde – como era convencional – foram acomodados de acordo com seu género. Finalmente, em dezembro de 1941, a partir do Campo de Internamento Les Milles, conseguiram iniciar a viagem que os levaria a se refugiar nos Estados Unidos – pouco antes de o Reich alemão declarar guerra ao país.


2. Auguste Dreyfuß

Quatro semanas antes de Adolf Hitler ter sido nomeado Chanceler do Reich em janeiro de 1933, a viúva Auguste Dreyfuß comemorava o seu 73.º aniversário. Residia na rua Oberamtsstraße 203, em Germersheim, no prédio ao lado da sinagoga, em frente ao antigo refeitório dos oficiais, o casino. Nessa rua, o pai, Sigismund Dreyfuß, falecido em 1897, mantinha uma loja de artigos de lã e retrosaria. Depois da morte da mãe em 1901, Auguste Dreyfuß continuou sozinha à frente do negócio até à década de 1920, quando passou a alugar a loja aos irmãos Schmitt, que ali instalaram um comércio de produtos coloniais.

Devido ao seu estilo de vida reservado, a comerciante judia conseguiu, inicialmente, esquivar-se às ações de exclusão e humilhação praticadas pelos nacional-socialistas. A partir da metade de setembro de 1935, a situação ficou intragável até mesmo para Auguste Dreyfuß: através das Leis de Nuremberga, o regime nacional-socialista classificava as judias e os judeus alemães como pessoas de menor valor e com menos direitos.

A „Lei da Cidadania do Reich“ restringia os judeus e judias a meros cidadãos sem direitos civis. A partir daquele momento, Auguste Dreyfuß ficou impossibilitada de empregar pessoas com menos de 45 anos de idade para tarefas domésticas consideradas „arianas“ pelos nazis. Isso afetou-a diretamente, já que em sua casa trabalhava Juliana Burck.

Auguste Dreyfuß faleceu em maio de 1939, o que acabou por poupá-la às deportações que ocorreram no outono do ano seguinte. Dez dias antes da sua morte, Auguste Dreyfuß deixou em testamento à cidade de Germersheim, escrito pelo próprio punho, 4/5 do valor de dois imóveis residenciais e de terrenos agrícolas bem como 1/5 à sua ajudante de longa data, Juliana Burck, que se havia casado nesse entretanto.

Sob a administração do prefeito nacional-socialista Otto Angerer, e após revisão de diversos aspetos jurídicos, o município, em 1942, conseguiu ficar não apenas com os terrenos, mas também arrecadar os 7.666 marcos do Reich que Auguste Dreyfuß havia deixado aos pobres da cidade em testamento, o que à época era uma quantia considerável de dinheiro.


3. Eugen e Otto Ehrmann

Os irmãos Eugen (1895-1943) e Otto Ehrmann (1898-1942) passaram a primeira parte das suas vidas em Germersheim, onde nasceram. No final do século XIX, seu pai, Ferdinand Ehrmann, foi professor de religião dos estudantes judeus da cidade e chazan da comunidade israelita. Casou-se com Karoline Levy, filha de um comerciante, com quem teve dois filhos. A família mudou-se para uma localidade a cerca de 100 km da cidade de Landstuhl, onde Ferdinand Ehrmann faleceu, em 1911.

A situação económica da viúva de Ferdinand era tensa até o filho mais velho, Eugen, terminar a sua formação numa escola comercial e passar a ajudar a família assim que começou a trabalhar. No entanto, em maio de 1917, Eugen foi recrutado para a Frente Ocidental da Primeira Guerra Mundial. Sofreu vários ferimentos, tendo sido o mais grave em julho de 1918, quando foi soterrado devido a fortes bombardeamentos de artilharia. Duas semanas depois do armistício com a França e a Inglaterra, foi dispensado aos 23 anos. Foi condecorado por mérito militar com o Distintivo de Ferido, em preto, e a Cruz de Ferro de segunda classe. No pós-guerra, mudou-se do Palatinado, ocupado pelas tropas francesas, para os arredores da cidade de Offenbach, perto do rio Meno. Nessa localidade, casou-se com Johanna Schönmann, filha do comerciante de tecidos, Emil Schönmann, e sua mulher Auguste, em 1923. Com Horst e Erwin, nascidos em 1924 e 1926, a jovem família morava na casa dos sogros e mantinha um estilo de vida regrado de pequena burguesia.

A tomada de poder dos nacional-socialistas, em 1933, mudou a vida da família drasticamente. Em 1935, os filhos deixaram a escola primária local e passaram a frequentar uma escola judaica em Offenbach, para escapar à discriminação. Por causa de restrições graves, Emil Schönmann foi obrigado a abandonar o seu negócio. Durante o pogrom de novembro de 1938, ele e o seu genro Eugen Ehrmann foram presos pela polícia secreta, a Gestapo, e levados para o campo de concentração em Buchenwald. Em dezembro de 1938 foram libertados na condição de emigrarem imediatamente e manterem silêncio sobre a detenção no campo.

Ainda em dezembro, as famílias mudaram-se para Frankfurt. O mercado de trabalho estava virado para a economia de guerra, uma circunstância que tornou os empregados judeus verdadeiros trabalhadores à força: Eugen Ehrmann conseguiu um emprego numa empresa de jardinagem, em Frankfurt, onde a sua mulher Johanna trabalhava na grande lavandaria Hansa. O seu filho Erwin completou a sua formação numa oficina judaica enquanto o seu filho Horst trabalhava como auxiliar na empresa Alfred Tewes, por 0,36 marcos/hora.

No dia 11 de dezembro de 1942, os jovens foram levados para o leste da Polónia. Nesta região de Lublin, eram escolhidos, de cada nova leva de transportes, os homens judeus mais jovens e mais fortes para ajudar a construir o campo de extermínio de Majdanek. As condições extremas ceifaram muitas vidas. No dia 3 de agosto, Erwin falece, aos 15 anos, e Horst, que tinha mais dois anos que seu irmão, morre no dia 10 de setembro. Os pais nunca souberam qual foi o destino dos seus filhos. No dia 15 de setembro, as famílias Ehrmann e Schönmann chegaram ao gueto de Theresienstadt, num transporte por via férrea especial, com mais 1.370 judeus, provenientes de Hesse. Foi daí que Johanna e Eugen Ehrmann foram deportados, no dia 29 de janeiro de 1943, para o campo de extermínio de Auschwitz, onde foram assassinados. Auguste e Emil Schönmann sofreram o mesmo destino em maio de 1944.

O irmão de Eugen Ehrmann, Otto Ehrmann, um trabalhador do comércio, mudou de residência e local de trabalho da cidade de Landstuhl para a de Offenbach, em 1931. O único dado existente sobre a sua vida é o do casamento com Sophie Nussbaum, em 1936. Em setembro de 1942, o casal, ainda sem filhos, foi deportado para Auschwitz, onde foi assassinado pouco tempo após a sua chegada.

A mãe de Eugen e de Otto Ehrmann, Karoline, perdeu a nacionalidade alemã em agosto de 1939. A sua desnaturalização oficial é um indício de que Karoline, de 63 anos, se pôs a salvo, fugindo para o estrangeiro. É possível que ela tenha sido a única a escapar ao terror nazi.


4. Johanna Glaser / Dr. Ferdinand Kahn

Johanna nasceu no dia 5 de dezembro de 1877, em Germersheim, como terceira de quatro filhos de um impressor judeu, Salomon Posner (1845-1891). Em 1902, casou-se com o comerciante berlinense, Leopold Glaser. Morou até à morte do seu marido, em 1929, nos conhecidos bairros de classe média alta de Berlim, Wilmersdorf e Charlottenburg. Foi aí que nasceu o seu único filho: Ernst Fritz Glaser (1908-1999) que emigrou para os Estados Unidos devido à pressão do regime nazi.

Johanna Glaser não conseguiu fugir da mesma maneira que o filho à perseguição nazi. No dia 28 de março de 1942, foi deportada de Berlim para o gueto de Piaski, construído no leste da Polónia, em 1940, logo após a ocupação pela Wehrmacht. Fazia parte dos 985 indivíduos do décimo primeiro transporte para Leste que chegou à estação de Trawniki, na região de Lublin, após um trajeto de dois dias, tendo sido forçados a percorrer uma estrada de 12 km da estação até ao gueto. É incerto se Johanna, considerada “apta a trabalhar” na lista de transporte, foi transferida de Piaski para o campo de trabalhos forçados de Trawniki, em 1942. Tudo indica que a viúva, oriunda de Germersheim, faleceu no início do verão de 1942, alguns meses antes do seu 65.º aniversário.

Também Ferdinand Kahn, nascido em 1866, filho do comerciante Karl Moses Kahn (1834-1905) de Germersheim, viveu somente durante a sua infância e os primeiros anos de escola nessa cidade. Provavelmente, frequentou o liceu ou em Landau ou em Speyer. Mais tarde, estudou Medicina em Würzburg, Munique e Berlim. Em 1891, aos 25 anos, fez o doutoramento e obteve licença para exercer medicina. Como assistente do respeitado dermatologista Max Joseph, adquiriu experiência para abrir o seu próprio consultório. Posteriormente, trabalhou como especialista em doenças de pele e doenças venéreas, em Frankfurt, onde então moravam os seus pais, originalmente provenientes de Germersheim. Tornou-se num dos primeiros dermatologistas da cidade já que esse ramo ainda não fazia parte do cânone da medicina. Em 1900, casou-se com Paula Meyerfeld, filha de um comerciante local. O casal não teve filhos.

Em 1918, ainda antes da Primeira Guerra Mundial acabar, Kahn recebeu o título honorífico alemão de “Sanitätsrat” (conselheiro de saúde) pelo seus méritos profissionais na terapia especializada de soldados feridos, um título que ostentava com orgulho. A alteração da conjuntura política, em 1933, tomou-o de surpresa, embora o apelo ao boicote de médicos judeus especializados por parte do Partido Nacional-Socialista, NSDAP, não surtisse efeitos imediatos.

Em abril de 1933, a Lei para Restauração do Serviço Público Profissional levou à expulsão de todos os médicos considerados não “arianos” pelos nazis do setor público da saúde. Duas semanas depois, também lhe foi retirada a licença para exercer para as caixas de saúde existentes. Cada vez mais pacientes privados, de longa data, deixavam de frequentar o seu consultório por medo de serem acusados de terem como médico alguém discriminado pelos nazis como “inimigo da raça”.

O almanaque anual dos médicos alemães, Reichs-Medicinal-Kalender, que listava Kahn desde 1895, apresenta, em 1937, pela primeira vez, o aditamento “judeu”. Como todos os médicos judeus, Kahn perdeu a sua licença em 1938.

No verão de 1942, começou o último ato da tragédia: os serviços municipais e a polícia de Frankfurt inventariaram a casa da família Kahn e os bens restantes: a palavra-chave “evacuação”, não deixa margem de dúvida quanto ao objetivo perseguido. Paula, 67 anos, e Ferdinand Kahn, 76 anos, foram deportados por via férrea da sua moradia para o gueto de Theresienstadt, em 1942. No dia 20 de setembro, faleceu Ferdinand Kahn, a sua mulher pouco depois.


5. Auguste e Rudolf Kahn, Sofie Ebert e Ferdinand Kahn

De todas as famílias judaicas de Germersheim, a família Kahn era aquela que mantinha os laços mais fortes e antigos com a cidade. Já em 1829, Ferdinand Kahn tinha aqui estabelecido um comércio de tecidos e confeção de roupa que prosperou, a partir de 1834, graças à grande procura provocada pela construção da fortaleza de Germersheim.

O filho de Ferdinand, Wilhelm, assim como os seus netos August e Ernst Kahn, que geriram o comércio em conjunto, até 1914, alargaram e especializaram a sua oferta adaptando-a aos desejos dos militares. Na segunda metade do século XIX, eram considerados os fornecedores mais renomados da guarnição de Germersheim. A sua propriedade, perto do rio Queich (na Hauptstraße 140), abrangia um grande edifício residencial e comercial, de dois andares, assim como uns armazéns nos edifícios anexos. Tinha até ligação telefónica, algo muito raro nos anos de 1900. Embora o sucesso do seu negócio tenha tido como base fardas feitas sob medida, a família Kahn também forneceu a população com tecidos para fatos de homem e roupas de senhora, além de cortinas, carpetes, tecidos para estofos, roupa de cama, etc.

A atitude burguesa-monárquica da família Kahn e o seu incondicional apreço pelos militares demonstra como a orientação comercial para o exército também influenciou a sua posição política. Os anúncios do negócio dos Kahn, do início do século XX, documentam até que ponto o Estado, a Nação, a Coroa e o exército se tinham tornado novas categorias no pensamento das famílias judaicas assimiladas: nos anúncios encontram-se atributos como “Fornecedor da família real bávara” por baixo do brasão da família Wittelsbach, a dinastia regente bávara. No limiar do século XX, Ernst e August Kahn geriram o negócio, já que o pai, Wilhelm, era bastante ativo na política local: em 1905, foi o primeiro judeu a ser eleito para a câmara municipal.

August Kahn, casado com Auguste Lederer, filha de um comerciante nuremberguês, faleceu com apenas 47 anos, seis semanas antes do início da Primeira Guerra Mundial. O seu filho Rudolf, nascido em 1896 e estudante de Economia e direito em Würzburg, converteu-se em 1915 ao protestantismo. Efetuou essa adaptação cultural e religiosa à sociedade maioritária durante o momento histórico agitado que constituíram os anos de guerra. Obteve, nas últimas semanas da mesma, a Cruz de Ferro da primeira e segunda classe como tenente da reserva.

Após a sua promoção, mudou-se para Berlim, onde se casou no fim dos anos de 1920. Em 1934, emigrou para a Grã-Bretanha, pois nem a sua conversão nem a sua atitude patriótica para com a Alemanha o tinham salvado do antissemitismo militar. Na Grã-Bretanha, foi inicialmente internado enquanto “estrangeiro inimigo”. A sua mãe, a viúva Auguste Kahn, tinha saído de Germersheim, em 1922, e tinha-se mudado para o bairro de Charlottenburg, em Berlim, após alguns anos em Munique, e na cidade de Meiningen, no centro da Alemanha.

No dia 20 de julho de 1942, a reformada de 69 anos foi deportada com o 26.º “transporte de idosos” para o gueto de Theresienstadt. De acordo com o obituário do conselho dos anciãos de Theresienstadt, morreu, a 21 de novembro, com graves problemas de saúde, oficialmente por causa de uma “enterite”.

A morte súbita do seu irmão August, no verão de 1914, tinha tornado Ernst Kahn no único proprietário da empresa familiar. Seguindo o exemplo do pai, empenhado na política local, Ernst Kahn tinha feito parte da comissão da sinagoga a partir de 1907, e da câmara municipal a partir de 1910, juntando-se à Associação dos Cidadãos Livres (Freie Bürgervereinigung) de orientação liberal de direita. Apesar de muitos obstáculos, navegou o negócio através dos anos difíceis de guerra e por um período economicamente turbulento no pós-guerra até à sua morte no final de 1926.

O seu único filho, Ferdinand, nascido em 1895, foi, como o seu primo mais novo Rudolf, formado pela educação militar-patriótica e o zeitgeist da época. O caloiro de 19 anos, estudante de Economia, juntou-se voluntariamente ao exército, logo após o início da guerra, em 1914. Passou toda a guerra na frente ocidental, no 1.º Regimento de artilharia a pé, da Baviera, e obteve várias distinções militares. O facto de ele ter sido nomeado tenente da reserva apenas em setembro de 1918, entretanto já com 23 anos, sem obter a patente correspondente, está aparentemente relacionado com o forte antissemitismo existente dentro das forças armadas.

Após ter sido despedido do serviço militar, Ferdinand não continuou os seus estudos, mas, em vez disso, tornou-se comerciante em Frankfurt, na capital do comércio. Foi ali que se casou, em março de 1921, com Isabella (Bella), três anos mais nova, filha do seu colega comerciante, Max Ebert, e de sua mulher Sofie. O jovem casal permaneceu em Frankfurt, pois Ferdinand duvidava da rentabilidade do negócio dos seus pais, que estava ameaçado de falência e tinha sido privado do seu apoio mais importante com a retirada do exército bávaro, no final de 1918.

Quando o seu pai morreu em 1926, e a sua mãe em 1927, Ferdinand Kahn – contra o que ditava a razão e unicamente devido à tradição familiar, seguiu profissionalmente os passos dos seus antepassados. Visto que os seus sogros vieram morar para a mesma casa, em Germersheim, a família conseguiu manter um nível de vida relativamente alto.

A família Kahn sofreu muito sob o grupo local do partido nazi NSDAP em Germersheim, ativo a partir do outono de 1926, que contribuiu para tornar o antissemitismo, que já era nesta altura socialmente aceitável, num fator omnipresente do quotidiano. Três semanas após a tomada de poder dos nacional-socialistas, as lojas de todos os comerciantes judeus de Germersheim foram boicotadas.

A 10 de novembro de 1938, durante o pogrom que ficou conhecido pelos nazis como a “noite de cristal” (“Reichskristallnacht”), Ferdinand Kahn, então de 43 anos, foi levado à força do seu apartamento, por agentes da polícia, e, após um dia da eufemisticamente apelidada “custódia protetora” na prisão de Germersheim, foi transferido para o campo de concentração de Dachau. A 16 de dezembro de 1938 foi libertado e regressou a casa, sem seguir o “conselho” que lhe foi dado para emigrar. Cerca de 22 meses depois, a 22 de outubro de 1940, o casal foi vítima da “ação judaica” (“Judenaktion”) na região do Sarre-Palatinado, organizada pelos chefes de distrito, os Gauleiter Bürckel e Wagner, tendo como objetivo de “limpar” o Sarre-Palatinado e a Bade dos judeus. Tal como os irmãos Mohr e Gustel Töpfer, Ferdinand e Isabella Kahn foram levados para Landau, de onde foram deportados por via férrea com outros judeus do Palatinado até o campo de Gurs, no sul da França. Só era permitido levar bagagem de mão leve e 100 marcos do Reich por pessoa, em numerário.

Em Gurs, o casal passou grandes privações, vivendo em blocos separados do campo. Os sogros de Ferdinand Kahn foram levados para o lar de idosos judaico em Mannheim, onde Max Ebert faleceu pouco tempo depois.

Em março de 1941, Ferdinand e Isabella foram transferidos para o campo de Les Milles, perto de Marselha, reservado a potencias emigrantes. O que lhes salvou a vida foi a insistência da sogra, Sofie Ebert, então de 68 anos, que pressionou familiares próximos que tinham emigrado para os Estados Unidos, entre eles o comerciante Joseph Freundlich, a responsabilizar-se pelos dois internados. Graças ao apoio ativo de Joseph Freundlich conseguiram escapar.

A 18 de agosto de 1941, as portas do campo de concentração abriram-se para Isabella e Ferdinand. Viajaram de Marselha via Espanha para Lisboa, de onde atravessaram o Oceano Atlântico e chegaram a Nova Iorque a 24 de setembro de 1941. Meio ano após a sua chegada, requereram a cidadania dos Estados Unidos. Isabella Kahn, de 43 anos, ganhava a vida com um trabalho árduo numa fábrica na cidade de Nova Iorque.

Sofie Ebert não conseguiu salvar a sua própria vida. A 28 de agosto de 1942, dez dias após o seu 70.º aniversário, foi deportada de Estugarda para o gueto de Theresienstadt e dali para o novo campo de extermínio de Treblinka perto de Varsóvia. Imediatamente depois da chegada e seleção na rampa de carga, morreu numa das câmaras de gás.

Em Germersheim, eclodiu uma disputa sobre o uso futuro da casa residencial e comercial assim como o de diversos imóveis da família Kahn. Por isso, a instituição bancária Sparkasse, conjuntamente com Ludwig Schmitt, o chefe do conselho distrital de Germersheim (Landrat), decidiu, em dezembro de 1940, leiloar os bens domésticos penhorados.

A entidade bancária vendeu, a 29 de agosto de 1941, a casa residencial a Friedrich Köhler, um mestre sapateiro de 27 anos e líder local da Juventude Hitleriana por 24.000 marcos do Reich; o banco emprestou-lhe metade do dinheiro. Os quatro imóveis agrícolas de Kahn foram geridos pelo líder dos agricultores local, Otto Frey. Entretanto, através do 11.º Regulamento da Lei da Cidadania do Reich, emitido a 25 de novembro de 1941, o regime nazi tinha retirado a cidadania alemã às judias e aos judeus deportados para fora das fronteiras do Reich, e também tinha confiscado, formalmente, os bens dos então apátridas. A autoridade fiscal competente de Germersheim incumbiu-se da gestão e da utilização dos bens da família Kahn, concessionando por arrendamento várzeas, assim como outras terras agrícolas e jardins.

Em 1949, a família Kahn solicitou a devolução dos imóveis e uma indemnização. Como aconteceu com muitas famílias judias, o processo terminou com uma compensação que de longe não chegou para mitigar a perda. O advogado Kerscher, residente em Germersheim, conseguiu que o atual proprietário apenas fosse obrigado a pagar 7.000 marcos alemães. Como motivo, foi apresentado o facto de o edifício ter diminuído de valor, causado por danos de guerra, e o sobre-endividamento “completamente alheio aos acontecimentos políticos” e “ocorrido muito antes de 1933”. Ferdinand Kahn, que continuava a subscrever a revista anual da sua cidade natal, faleceu, a 14 de novembro de 1969, na sua residência americana, em Queens.


6. Dr. Bernhard (Benno) Koppenhagen

Foi em 1867, em Germersheim, que Bernhard Koppenhagen, tratado por Benno, veio ao mundo como quarto de seis filhos do casal Simon Koppenhagen e Rosine Weis, natural de Mainz. O nome de família remete diretamente para a sua origem: os antepassados paternos eram oriundos da capital dinamarquesa. O clã dos Koppenhagen, entre estes muitos relojeiros e ourives, mudaram muitas vezes para outras paragens, devido a razões profissionais, tendo muitos membros da família migrado para sul nos meados do século XVIII. Os pais de Benno tinham-se instalado em Germersheim, em 1860.

Benno frequentou a escola secundária, em Speyer, até à morte súbita do pai, em 1884. A família mudou-se depois para a cidade de Landau, onde Benno terminou a escola secundária, em 1886, com notas acima da média. Após conclusão dos estudos de Medicina na cidade de Würzburg, financiados pelo irmão mais velho, obteve o seu primeiro posto de médico na pequena cidade de Schleusingen, no estado federal alemão de Turíngia, em 1891.

Em junho de 1895, casou-se com Olga, seis anos mais nova, filha do burgomestre de Schleusingen, Ludwig Baecker, com quem teve dois filhos: Herbert e Hertha. Os irmãos de Benno opuseram-se fortemente ao casamento com Olga, por esta ser cristã protestante, assim como mais tarde à conversão de Benno ao cristianismo o que cortou com as suas raízes judaicas e com as relações para com os seus irmãos que viviam no estrangeiro. Além da sua função como médico em escolas e médico dos pobres, o médico generalista reservava ainda camas no hospital da cidade para cirurgias menores e para o seu trabalho como obstetra.

A Primeira Guerra Mundial marcou um ponto de viragem na sua biografia e constituiu uma prova de fogo. Cinco dias após o início da guerra, o médico de 47 anos foi chamado para prestar serviço, como médico de enfermaria, no hospital militar da fortaleza da sua cidade natal, em Germersheim, antes de ser colocado no comando de vários hospitais militares no norte de França. Porém, o médico foi rapidamente acometido pelos seus próprios problemas de saúde, aos quais se acrescentaram as preocupações com o seu filho Herbert, ferido em combate. Em julho de 1916, foi dispensado do seu comando do hospital militar e foi para Germersheim e Würzburg para convalescer. Trabalhou então como médico de guarnição em Würzburg até ao fim da guerra.

Após a Primeira Guerra Mundial regressou a Schleusingen, onde trabalhou adicionalmente nas campanhas de vacinação e fundou uma coluna de socorros e emergência local da Cruz Vermelha.  Quer a sua competência quer a sua experiência profissional como clínico geral e ginecologista eram do apreço geral. Na primavera de 1933, os nacional-socialistas tomaram o poder e apelaram a um boicote nacional dos trabalhadores independentes judeus. E assim, a nova „Lei para Restauração do Serviço Público Profissional“ levou o hospital a demitir Benno Koppenhagen. Também perdeu a sua licença para exercer para as caixas de saúde públicas, pelo que, a partir daí, teve de depender de pacientes particulares.

Face à ruína profissional e ao isolamento social, Benno Koppenhagen sofreu um AVC em janeiro de 1934. Meio-paralisado e com discurso limitado, resignou-se completamente. A sua enfermeira injetou-lhe uma overdose de morfina a 20 de janeiro de 1934 e o médico morreu nesse mesmo dia. Foi um médico das SS quem lucrou com a morte de Koppenhagen, passando diretamente de seguida a exercer no seu consultório em pleno funcionamento. No ano seguinte, a viúva vendeu a casa residencial e mudou-se para Wiesbaden. A filha e os netos de Benno sobreviveram à era nazi, estes últimos com a ajuda de provas falsificadas de ascendência.

A cidade de Schleusingen dedicou o nome de uma rua ao médico Dr. Benno Koppenhagen, enquanto na sua cidade natal, Germersheim, ainda não existe nada que o recorde.


7. Elsa Leiser (1881-1944)

Tal como a sua irmã Magdalene, três anos mais nova, Elsa nasceu em Germersheim, em 1881, como filha de Sara e Gustav Cahn (1839-1897), na casa residencial e comercial dos pais (na Hauptstraße 136). O comércio de bens manufaturados, moda feminina e tecidos assegurou à família judaica os meios de subsistência necessários. Após a morte de seu pai, Elsa deixa Germersheim no final de 1903 e casa com o advogado Julius Leiser (1876-1942) de Metz, na Lorena. A sua mãe passa a gerir o negócio sozinha.

Julius Leiser, que tinha sido admitido na barra do tribunal do land, em Metz, desde 1902, abriu um escritório de advogados, que dirigiu até 1918 juntamente com o politicamente influente Albert Grégoire. Elevadas competências profissionais, diligência e cuidado mereceram à empresa uma excelente reputação. Durante a Primeira Guerra Mundial, Leiser tratou, por exemplo, dos assuntos jurídicos do gabinete do governador, em Metz, e recebeu a Cruz de Mérito Prussiana para Ajuda de Guerra, em junho de 1917. No decurso da reintegração da região com a França, em janeiro de 1919, Julius Leiser, de 42 anos, antes figura proeminente, teve de deixar a sua pátria como persona non grata.

De acordo com as disposições do Tratado de Versalhes, não era considerado francês e, por isso, perdeu não só a sua licença de exercício de advocacia, mas também a sua autorização de residência. O casal Leiser mudou-se, então, para Wiesbaden para começar a sua vida de novo. Sendo um advogado competente, rapidamente foi consultado por clientes financeiramente poderosos com respetiva prominência – como o produtor de espumantes Henkell e o antigo príncipe herdeiro alemão Wilhelm da Prússia – o que fez com que a sua situação financeira melhorasse visivelmente. Julius Leiser conseguiu, assim, adquirir uma empresa e uma casa residencial.

A respeitada posição do casal Leiser na classe média alta de Wiesbaden desmoronou-se após a chegada ao poder dos nacional-socialistas. Já em 12 de junho de 1933, Julius Leiser deixou de ser notário por ordem do Ministro da Justiça prussiano. Embora ainda lhe fosse permitido exercer advocacia, o número dos seus clientes alegadamente „arianos“ – sobretudo o produtor de espumantes Henkell, empresa na qual tinha entrado, por casamento, o futuro Ministro dos Negócios Estrangeiros de Hitler, Joachim v. Ribbentrop – foi diminuindo, obrigando-o a reduzir, consideravelmente, o seu escritório de advocacia. Por fim, um decreto sobre a Lei da Cidadania do Reich retirou-lhe, em 1938, a licença para exercer advocacia.

Privados da sua fortuna através da taxa sobre o capital judeu, imposta pelos nazis às famílias judaicas mais abastadas, Julius e Elsa Leisner emigraram para o Grão-Ducado do Luxemburgo, em janeiro de 1939, onde passaram a viver em circunstâncias modestas. A condição prévia para a sua partida tinha sido o pagamento de 24.442 marcos do Reich, enquanto “Imposto de fuga” ao Reich, uma lei que os nacional-socialistas tinham introduzido a fim de expropriar, parcialmente, alemães judeus forçados a sair do país. A normalidade cívica reconquistada pelo casal Leisner durou pouco mais de 16 meses: Em maio de 1940, a Wehrmacht ocupou o pequeno estado vizinho, que foi colocado sob administração civil, a partir de agosto, e passou a ser tratado como parte do Grande Reich Alemão.

No outono de 1941, a casa de Julius Leiser em Wiesbaden foi confiscada e vendida. O lucro da venda reverteu para a administração civil alemã, no Luxemburgo. Presumivelmente por esta razão, Julius Leiser voltou a Wiesbaden, onde foi detido sem aviso prévio. Após a intervenção de Katharina Henkell, viúva do antigo chefe do produtor de espumante e sogra de Joachim v. Ribbentrop, Julius conseguiu regressar ao seu local de residência. Foi aí que morreu a 24 de setembro de 1942. A sua esposa Elsa, natural de Germersheim, sofreu, por sua vez, os horrores da perseguição nazi na sua plenitude. Foi primeiro levada por transporte ferroviário para o gueto de Theresienstadt, a 6 de abril de 1943, e depois para o campo de extermínio de Auschwitz, tendo sido assassinada, com gás venenoso, imediatamente após a sua chegada, a 15 de maio de 1944.


8. Dr. Wilhelm Masser

Wilhelm Masser chegou a Germersheim por motivos de trabalho, quando o Ministério da Justiça da Baviera transferiu o jurista, de 33 anos, para o Tribunal da Comarca, em 1915. Masser tinha sido bem-sucedido quer social quer profissionalmente. O seu pai, um comerciante de gado da cidade de Kitzingen, tinha-se casado, em 1880, com Josefine, a filha de David Rosenheim, um comerciante de gado abastado, de Würzburg. Como sócio do seu sogro, David Masser foi capaz de proporcionar uma boa educação aos seus filhos Wilhelm e Ludwig, que nasceram respetivamente em 1881 e 1883.

Wilhelm, o irmão mais velho, frequentou uma escola secundária versada em letras, em Würzburg, e estudou Direito e Ciência Política na renomada universidade Julius-Maximilians-Universität. Continuou os seus estudos em Berlim e obteve o doutoramento em Direito e Administração, em 1906. Pouco antes de entrar na carreira jurídica, como procurador-adjunto, casou-se com a professora de música, Nelly Süßer, filha de um grossista têxtil de Würzburg, em 1909. Em 1911, foi nomeado para o posto de segundo procurador público em Hof/Saale, na Alta Francónia. Em 1915, a sua carreira como magistrado levou-o para Germersheim, onde o casal vivia na rua Bismarckstraße, não muito longe do tribunal.

Em outubro de 1916, foi recrutado para a Primeira Guerra Mundial, para a Frente Ocidental, no nordeste da França. O soldado judeu, nacionalmente patriótico, demonstrou ser um militar eficaz, tendo sido promovido à patente de cabo, no final de outubro de 1917, e à de sargento em julho de 1918, obtendo várias cruzes de mérito. Após o fim da Guerra, tornou-se magistrado em Munique, em 1919. Em meados de setembro de 1919, o casal Masser mudou-se de Würzburg para Munique, onde a sua filha, Elisabeth Johanna, nasceu onze meses mais tarde. Em 1927, foi nomeado magistrado principal.

A tomada de poder dos nacional-socialistas mudou profundamente a vida da família Masser. Se apesar da “Lei para Restauração do Serviço Público Profissional“, aprovada a 7 de abril de 1933, que afastava da função pública os judeus e todos os que faziam oposição política ao regime nazi, Wilhelm Masser pôde durante algum tempo continuar a trabalhar – já que, como veterano de guerra, gozava do „privilégio de combatente de primeira linha“ e porque tinha sido nomeado funcionário público antes de agosto de 1914 (segundo uma lei para os funcionários públicos de longa data) –, em decorrência das Leis de Nuremberga, aprovadas em setembro de 1935, leis que despromoveram os até então concidadãos judeus para meros nacionais de estatuto jurídico inferior do Reich e revogaram todos os e privilégios e exceções anteriores, o tempo de Wilhelm Masser como magistrado chegava ao fim.

Como resultado do pogrom de novembro de 1938, Wilhelm Masser foi raptado do seu apartamento para o campo de concentração de Dachau, perto de Munique, para ser coagido a deixar o país e, como lhe chamavam, a „arianizar“ os seus bens. Wilhelm Masser só foi libertado em janeiro de 1939. O frio do inverno, o trabalho forçado cansativo e os maus-tratos permanentes já tinham prejudicado a sua saúde. Morreu a 14 de março de 1940, e a sua família levou Wilhelm Masser, de 58 anos, a enterrar, no Novo Cemitério Judaico em Munique. A sua herança foi confiscada e a sua esposa Nelly, juntamente com o seu cunhado Ludwig e sua mulher Gertrude, foram deportados para a Lituânia, no outono de 1941, e assassinados perto de Caunas, a 25 de novembro de 1941.

Dos parentes mais próximos dos irmãos Masser, apenas os filhos ainda viviam. O filho de Ludwig Masser, Wolfgang, sobreviveu fugindo para a Suíça, em 1939 – fuga que tinha sido possibilitada por parentes da criança de doze anos –, e a filha de Wilhelm Masser, Elisabeth, porque conseguiu refugiar-se na Grã-Bretanha, em 1938/39.


9. Antonie, Elisabeth, Wilhelmine e Otto Mohr

Como a maioria das famílias judaicas que residiam em Germersheim no limiar do século XX, a família Mohr havia imigrado da circunvizinhança. Eram descendentes de Michel Mohr, um comerciante de bens de segunda mão que vivia em Oberlustadt, em 1809. O seu neto Maximilian, filho de açougueiro, nascido já em Germersheim, em 1858, negociava com gado. Profissionalmente, Maximilian Mohr concentrou-se na próspera cidade de guarnição e respetivo matadouro. Aqui, a procura continuamente crescente por carne augurava bons negócios, o que o ajudou a consolidar o seu negócio e a ter a sua própria casa na rua Jakobstraße 183. Do casamento com Klara Haas resultaram quatro filhos: as três filhas Antonie (Toni) (1889-1942), Elisabeth (1890-1942) e Wilhelmina (1891-1942) e por último o filho Otto (1896-1942). Todos os quatro permaneceram solteiros e governaram a casa em conjunto. As filhas administravam as suas numerosas propriedades agrícolas, enquanto o negociante de gado, comerciante e fabricante temporário de charutos, Otto Mohr, dirigia os negócios do pai a partir de 1923.

Em novembro de 1915, Otto Mohr, 19 anos, foi chamado para servir no exército como Landsturmmann, i.e. soldado do último contingente recrutável, ficando longe das frentes de guerra. Em meados da década de 1920, como sucessor do seu falecido pai, adquiriu uma propriedade de 1.680 metros quadrados no centro de Germersheim que foi adaptada para o comércio de gado. Estava localizada na rua principal, na Hauptstraße 127 (hoje 23), a rua mais movimentada da cidade. Incluía uma casa residencial de dois andares com anexos e uma casa nos fundos, onde se encontravam as garagens e a lavandaria, além de dois estábulos, um celeiro grande completo com depósito para armazenamento de feno e palha, um barracão anexo, um pomar e uma horta.

Em Germersheim, a aquisição do imóvel despertou muita inveja num momento economicamente difícil. Os nacional-socialistas estigmatizaram Otto Mohr como uma figura de ódio local para a qual foram projetados estereótipos e preconceitos racistas comuns à época. Após a tomada de poder, em 1933, este grupo encenou um espetáculo vituperativo que ficará nos anais como a „Marcha da Vergonha de Germersheim“. Considerados vítimas perfeitas, enquanto portadores de papéis dominantes da cidade, August Ebinger, um político centrista, e o comerciante de gado judeu, Otto Mohr, foram presos. Em 22 de julho de 1933, foram ambos arrastados por um esquadrão das SA para a praça Königsplatz, ostentando placas ao pescoço, tendo sido apresentados a uma multidão vociferante. Enquanto a placa de August Ebinger dizia: „Eu sou o principal culpado da ruína da cidade“, a inscrição de Otto Mohr alimentava os conhecidos clichês contra os trabalhadores autónomos judeus: „Há anos que eu roubo o povo alemão“. Seguiu-se uma perseguição pelas ruas da cidade, durante a qual os moradores puderam descarregar o seu ódio sobre os dois homens.

Em retrospetiva, parece difícil entender por que os irmãos Mohr permaneceram no país apesar de todas as humilhações e torturas que sofreram. No final de dezembro de 1937, Otto Mohr recebeu a temida proibição de exercer a sua profissão. Enquanto as suas irmãs, fazendeiras, continuaram senhoras dos seus bens e terras, Otto teve de emigrar, encontrando refúgio, na Bélgica, em 1938, residindo em Saint-Gilles, perto de Bruxelas. Inicialmente aliviado por ter escapado ao pogrom de novembro de 1938 levado a cabo por todo o Reich, foi levado para o campo de internamento de Saint-Cyprien, perto de Perpignan, no sul da França, como um “estrangeiro inimigo“, após a Wehrmacht ter atacado os países do Benelux. Terá sido transferido mais tarde para o campo de Gurs, que nesse entretanto ficou cheio de judeus provenientes do Sarre-Palatinado e de Bade. Foi para lá que as suas irmãs também foram deportadas de Germersheim, em outubro de 1940. Após 22 meses no campo, as mulheres foram transferidas pela primeira vez para o campo de deportação de Drancy/Paris, em agosto de 1942. Em 10 de agosto, o transporte n.° 17 levou-as para o campo de concentração e extermínio de Auschwitz. Poucas horas após sua chegada, foram asfixiadas na câmara de gás.

Otto Mohr havia tentado escapar e refugiar-se na França de Vichy, ainda desocupada, mas foi preso e posteriormente transferido para o campo de concentração de Oranienburg/Brandenburg. Em 24 de setembro de 1942, também ele teve que iniciar a viagem para Auschwitz. Da árvore genealógica da família Mohr, fortemente ramificada, o ramo de Germersheim deixou de existir. Antonie, Elisabeth, Wilhelmine e Otto Mohr foram formalmente declarados mortos pelo Tribunal da Comarca de Germersheim, em 6 de maio de 1949.

Mesmo após o fim da Guerra, quase ninguém mostrou interesse no destino da família Mohr. Havia razões fortes: Muitos cidadãos de Germersheim haviam lucrado com a deportação dos judeus. As pessoas reprimiam a manifestação das suas crenças e atitudes outrora expressas abertamente, escondendo-as e desvalorizando-as agora. Neste contexto, não admira que o processo de reparação e restituição da família Mohr no pós-guerra tenha começado tardiamente, até por que o ramo dos Mohr de Germersheim não teve descendência. Um inspetor da repartição de obras já havia reduzido o valor do edifício residencial em 1942. Na década de 50, os 40 terrenos agrícolas da família também foram vendidos, a preço baixo, a agricultores e construtores da região.


10. Alfred Isaak Plaut

Alfred Isaak Plaut nasceu em Krefeld, na Renânia, em 1884, como filho de um comerciante e, quando ainda era criança, mudou-se para a aldeia de Fußgönheim, perto de Ludwigshafen/Rhein, na Renânia-Palatinado, cidade natal da sua mãe, Fanny Herz. Sendo o segundo de três filhos da família judaica (tinha uma irmã mais velha, Rosalia, e um irmão mais novo, Edmund), assumiu a profissão do pai após terminar o ensino secundário. Como era fluente na língua francesa, o comerciante passou longos períodos repetidos em Paris, de onde teve de sair pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial para escapar à ameaça de ser enclausurado como “estrangeiro inimigo”. Abriu então uma loja de vestuário, de pronto a vestir, em Germersheim, que não pôde manter por muito tempo devido à sua mobilização para o exército.

Alfred foi destacado para o hospital militar da fortaleza de Germersheim, como sargento de baixo grau, tendo sido promovido a sargento de alto grau. Porém, rapidamente foi suspeito de praticar espionagem, sendo um suposto francófilo, e, além disso, judeu. No entanto, como não foram encontradas provas contra ele, foi transferido para a Frente Ocidental, em novembro de 1917. Recebeu a Cruz de Ferro Prussiana de segunda classe, mas foi gravemente ferido durante a Ofensiva de Primavera alemã, em 1918, tendo passado o resto da guerra no hospital.

Findada a Guerra, regressou a Germersheim e comercializou matérias-primas para as fábricas de esmalte locais. Em 1923/24, Alfred e o seu sócio, o pintor de porcelana Karl Buttweiler, encontravam-se entre a meia dúzia de produtores locais de esmalte. Ao mesmo tempo, Alfred Plaut tinha entrado na política local: em 1924, foi eleito como um dos quatro vereadores do Partido Social-Democrata Alemão (SPD), de centro-esquerda, mas renunciou ao seu lugar já no final de dezembro de 1926. A razão da súbita demissão do seu mandato do conselho é desconhecida.

Nos tempos que se seguiram, Alfred Plaut liquidou as suas ações na empresa e mudou-se para Geispolsheim, perto de Estrasburgo, na Alsácia, em 1930. No final do ano, a sua mãe, já idosa, morreu em Fußgönheim. Já não mantinha contacto com os habitantes de Germersheim, entre os quais tinha vivido durante quase 16 anos. Constitui exceção ter mantido correspondência com Emil Müller, que, entretanto, tinha arranjado emprego como gerente de outra fábrica de esmaltes. Perdeu o seu emprego em fevereiro de 1933 e emigrou para a Alsácia, em maio de 1933, para escapar aos nacional-socialistas. Alfred Plaut ajudou o seu companheiro político a construir uma existência na Alsácia.

O casamento de Alfred Plaut com a francesa Martha Emilienne Dorin e a sua nova atividade empresarial consolidaram o seu estatuto em França até a Wehrmacht ocupar a Alsácia em junho de 1940. A sua cidadania alemã foi-lhe formalmente retirada no início de 1941. Ao contrário do seu irmão mais novo, Edmund, que morreu no campo de internamento de Le Vernet, em França, em 1942, Alfred Plaut sobreviveu ao período de ocupação e perseguição entre 1940 e 1945, mas o seu estado de saúde era precário. Morreu em março de 1946, aos 61 anos de idade, durante uma estadia de cura em Luxeuil-les-Bains (Belfort). O seu casamento permaneceu sem descendência.


11. Arthur e Friedrich Rosenbaum; Elsa, Günther e Ingeborg Rosenthal

Noë Rosenbaum veio da Francónia para a pequena comunidade judaica de Germersheim, em 1891, aos 27 anos de idade, devido à sua esposa Fanny Vollmer. O seu pai, Samuel Vollmer, tinha gerido uma loja de têxteis e vestuário, na rua Hauptstraße 135, em Germersheim, desde 1860. Em 1899, Noë Rosenbaum comprou uma casa residencial e comercial, onde vendeu principalmente roupa feminina. A sua esposa, uma modista profissional, contribuiu significativamente para o sucesso do comércio. A casa, onde o casal Rosenbaum viveu com os seus filhos e netos até 1938, não ficava longe da loja do seu sogro, na rua Hauptstraße 134 (hoje nº 9). No início do século XX, Noë Rosenbaum também dirigia a fábrica de charutos Lorenz, na localidade de Lingenfeld, com dois parceiros. Ao mesmo tempo, foi eleito, pela primeira vez, para a direção da comunidade religiosa israelita, que dirigiu, após a Primeira Guerra Mundial, até à sua dissolução. Desta forma, o comerciante deu continuidade ao empenho cultural e religioso do seu tio Jacob Rosenbaum, que, por volta de 1844/57, tinha sido professor de religião, chazan e açougueiro em rituais religiosos, na comunidade judaica de Germersheim, que na altura se estava a formar.

O casal Rosenbaum teve três filhos: Elsa (nascida em 1893), Friedrich Salomon (nascido em 1894) e Arthur (nascido em 1900). Friedrich voluntariou-se para o exército, em 1915, aos 19 anos de idade, e foi para a Frente Ocidental da Primeira Guerra Mundial. Foi honrado pela sua conduta irrepreensível, mas após a desmobilização regressou, sem meios financeiros etc., a Frankfurt, onde tinha completado a sua formação como comerciante.

Em 1921, o veterano de guerra casou-se com Mathilde Wachenheimer, filha de um comerciante que morreu em 1931, com apenas 37 anos de idade. Em 1939/40, Friedrich Rosenbaum teve de se mudar para uma das casas do gueto judeu de Frankfurt. Em novembro de 1941, os nacional-socialistas deportaram-no para o gueto de Caunas, na Lituânia. Imediatamente após a sua chegada, todo o transporte foi escoltado, através da cidade, até ao famigerado Forte IX e foi aí que foi assassinado, juntamente com outros deportados provenientes da Alemanha. Friedrich Rosenbaum estava entre os judeus assassinados, cujo número ascendeu, mais tarde, a 100.000 pessoas, e foi sepultado sem menção ao seu nome, com as outras vítimas.

Elsa tinha-se casado com o comerciante Lui Rosenthal, em 1919. Até à sua morte prematura em meados dos anos 30, Lui Rosenthal tinha sido sócio do sogro e fora designado seu sucessor comercial. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, as condições de vida da população de Germersheim tinham-se deteriorado sob a ocupação francesa. A família Rosenbaum / Rosenthal também sofreu com a contínua desaceleração económica. O banco Volksbank Germersheim reclamava, ainda em 1951, uma dívida residual de um empréstimo no valor de 200 marcos alemães. Após a morte do seu marido, Elsa Rosenthal teve de educar os seus dois filhos, em idade escolar, sozinha, sob as duras condições do nacional-socialismo, bem como cuidar do seu pai envelhecido.

O filho mais novo, Arthur Rosenbaum, tinha aprendido o ofício de comerciante em Mannheim, onde também viveu (com uma curta interrupção). Em 1929, casou-se com Ida Postel, uma cristã protestante de Ludwigshafen. Este casamento, difamado pelos nazis como „mistura de raças“, não resistiu por muito tempo à pressão sociopolítica. Quando, em 1935, as Leis de Nuremberga desclassificaram os alemães judeus como pessoas de menor valor, e a „Lei para a Proteção do Sangue Alemão e da Honra Alemã“ os privou dos direitos humanos elementares, o casal judaico-cristão não se divorciou, mas passou a viver separadamente: ela em Ludwigshafen, ele em Mannheim. Esta foi provavelmente a forma de Arthur proteger a sua esposa de represálias nazis por se ter casado com um judeu.

Em 1940, foi deportado de Mannheim para o campo de internamento de Gurs, no sul de França. A fim de escapar às terríveis condições no campo, voluntariou-se para trabalhar. Nas fileiras do G.T.E. 182 (Grupo de Trabalhadores Estrangeiros) realizou trabalhos forçados perto de Toulouse. Em 1942, foi deportado do campo Paris-Drancy para o campo de concentração e extermínio de Auschwitz. O seu rasto perde-se em Auschwitz, de modo que o Tribunal da Comarca de Mannheim declara a sua morte, em 1952, sob a data fictícia da noite de Ano Novo de 1942.

Na primavera de 1938, o negócio familiar, gerido nos últimos tempos pela viúva Elsa Rosenthal, enfrentou o seu fim definitivo. O boicote das empresas judaicas e uma série de restrições, bem como a morte do pai, levaram Elsa e os seus filhos, Günther e Ingeborg Rosenthal, a mudarem-se para Frankfurt/M., em 1938. Durante o pogrom de novembro em 1938, Günther, de 18 anos, foi preso e levado para o campo de concentração de Dachau, de onde foi libertado após três meses. O jovem preparou a sua fuga para a Palestina, mas só chegou até à Jugoslávia, onde as tropas alemãs o apanharam em 1941.

É possível que tenha estado entre os refugiados judeus num transporte para a Palestina, detidos em vapores do rio Danúbio, a partir de dezembro de 1939. Em outubro de 1941, Günther Rosenthal foi enviado, com cerca de 2.100 homens para Zasavica, local onde pouco tempo depois foi construído o campo de concentração perto de Sremska Mitrovica, tendo sido alvejado no decurso de uma represália por ataques partidários. Pouco tempo depois, a sua mãe e a sua irmã Ingeborg foram deportadas para o gueto de Łódź. Aí perde-se o seu rasto – ambas foram declaradas mortas após o fim da Guerra.

A propriedade da família Rosenbaum, confiscada em 1941, deveria ter sido devolvida após a Guerra, mas o Ministério das Finanças da Renânia-Palatinado reclamou despesas para assegurar o edifício bombardeado, de modo que a „casa dos judeus Rosenbaum“, como ainda era chamada pelo fisco de Germersheim, em 1949, foi finalmente demolida pela empresa de construção local Ludwig Roth e a propriedade foi vendida a Eugen Nebel de Germersheim. Portanto, já não resta hoje nada que nos recorde as famílias Rosenbaum e Rosenthal de Germersheim.


12. A Família Schriesheimer

Em 1900, o comerciante Moritz Schriesheimer, 26 anos, filho de um negociante de gado da localidade Leutershausen an der Bergstraße, abriu uma loja em Germersheim (na Hauptstraße 126), oferecendo aos residentes uma gama de mercadorias, desde vestuário a brinquedos e produtos de tabaco. Com a marca de água que significava “Da Fonte Barata” („Zur billigen Quelle“), também produziu e vendeu a água mineral que era permitida aos soldados da cidade da guarnição beber quando se encontravam em serviço. Em 1898, após a morte dos seus pais, já tinha virado por completo as costas à sua cidade natal. Pouco tempo depois, casou com Bertha (Betty), a filha do falecido alfaiate de Rülzheim e comerciante Isaak Feibelmann, quatro anos mais velha. Em 1907, o diretório de endereços de Germersheim lista Bertha com o seu nome de solteira, precedendo o seu marido, que era o proprietário da loja. Esta listagem indicia uma relação de parceria, mas também um dote, o que provavelmente facilitou a fundação do negócio. Ambos seguiram os mandamentos culturais-religiosos habituais na judiaria rural do Palatinado meridional, especialmente os regulamentos dietéticos. Os cinco filhos do casal nasceram no edifício residencial e comercial de Germersheim: Anna Elisabeth (Liesel, 1901), Hilde (1902-1903), que morreu quando criança, Erna (1906), Gertrude (1908) e Friedrich (Fritz, 1911).

Para a família de classe média, a Primeira Guerra Mundial representou um corte profundo na sua vida, pois a escassez de mercadorias e o racionamento cada vez mais rigoroso deprimiram o volume de negócios da loja. Em maio de 1915, o chefe de família foi chamado a servir na 2.ª Companhia do Batalhão de Substituição de Germersheim, que guardava o campo de prisioneiros de guerra fora dos portões da cidade. Schriesheimer permaneceu lá até à sua desmobilização em 1918 e foi elogiado pela sua boa conduta. Após o armistício, a cidade perdeu a sua guarnição e com ela quase metade da sua população. O poder de compra dos habitantes caiu drasticamente devido à inflação e ao empobrecimento, o que também colocou uma forte pressão sobre o negócio de Schriesheimer.

Só o casamento da filha mais velha Anna Elisabeth aliviou um pouco a tensão do orçamento familiar. Em 1925, casou com Henri Charles Mialhe, um soldado francês destacado para Germersheim que era um contabilista com experiência profissional, tendo-se mudado para a casa do seu marido, em Mazamet, no sul de França. Quatro anos mais tarde, a sua irmã Gertrude, que tinha acabado de atingir a maioridade, seguiu-a. Em dezembro de 1937, casou com Leopold Farkas, um natural da Hungria, com quem dirigia um negócio de linho em Paris. A partir de 1926, a filha Erna, agora com 20 anos, trabalhou como dactilógrafa, depois como secretária para a associação caritativa israelita Bund Israelitischer Wohlfahrtsvereinigungen Baden e.V., em Karlsruhe. No mesmo ano, o filho Fritz, de 14 anos, iniciou uma aprendizagem comercial na instituição bancária Stadtbank Germersheim, onde permaneceu até ao final de 1930.

A partir da década de 1920, Moritz Schriesheimer representou a comunidade religiosa judaica em Germersheim como segundo membro da direção. Quer esta atividade, quer o facto do seu genro ser francês, e também os seus „sentimentos pró-franceses“, tornaram-no alvo de espionagem por parte da gendarmerie, com sede em Germersheim, que reportava à direção da polícia de Munique, responsável pelos assuntos políticos e de contraespionagem. Para escapar às repressões cada vez mais antissemitas, os Schriesheimers, rotulados como „não fiáveis a nível nacional“, procuraram o anonimato protetor de Karlsruhe.

Como resultado da liquidação involuntária do seu negócio, Moritz Schriesheimer já não tinha qualquer rendimento e viu-se dependente do apoio dos seus filhos. O comerciante de 64 anos morreu, amargurado, a 6 de outubro de 1937. A vida dos seus filhos continuou a ser dificultada pelo comportamento arbitrário das autoridades, por exemplo quando Erna e Fritz Schriesheimer solicitaram um passaporte no departamento de emissão da sede da polícia de Karlsruhe, em novembro de 1937, a fim de poderem viajar para Paris para o casamento da sua irmã Gertrude. Por instigação da Gestapo (Stapo-Leitstelle Karlsruhe), os passaportes foram recusados sem que tenha sido fornecida qualquer tipo de explicação.

Betty e Erna Schriesheimer
Após a morte do seu pai, Erna Schriesheimer cuidou de sua mãe. A partir da Primavera de 1938, a jovem de 32 anos dirigiu o gabinete da associação caritativa israelita de Karlsruhe (Israelitischer Wohlfahrtsbund). Em 1939, as duas mulheres prepararam a sua emigração para os EUA para escapar à atmosfera antissemita. Pretendiam passar o tempo de espera em França até que os vistos de entrada fossem emitidos, mas enquanto a sede da polícia de Karlsruhe ainda estava a processar os passaportes (que só eram válidos por doze meses!) e uma autorização fiscal, o início da guerra bloqueou a sua rota de fuga para o país vizinho.

A 22 de outubro de 1940, os Gauleiter Wagner (Baden) e Bürckel (Saarpfalz) deportaram os restantes 6.500 judeus da sua área de jurisdição para o complexo do campo de Gurs, no sopé dos Pirenéus. Erna e Betty Schriesheimer tiveram de desocupar o seu apartamento em duas horas, deixando para trás tudo o que tinham, à exceção de 50 quilos de bagagem de mão e 100 marcos do Reich em numerário.

No campo de internamento de Gurs, a superlotação, as condições sanitárias catastróficas, o frio, a fome e a falta de cuidados médicos levaram a altas taxas de mortalidade. Devido a problemas de saúde, a administração do campo acabou finalmente por libertar Betty e Erna Schriesheimer, em fevereiro de 1941, no local de residência da sua filha mais velha, Elisabeth, Brassac-les-Mines – com a condição de se apresentarem imediatamente no gabinete do presidente da câmara e da gendarmerie. Sem dúvida que isto também se prendeu com o facto de o seu filho Fritz se ter voluntariado para servir no exército francês. Graças aos seus familiares, Betty Schriesheimer sobreviveu à perseguição – por último, escondida em França –, falecendo, no entanto, em abril de 1945.

Fora do campo de Gurs, Erna Schriesheimer, numa corrida contra o tempo, teve liberdade de movimentos suficiente para avançar com a sua emigração. Em maio de 1941, foi ao consulado dos EUA em Marselha onde obteve um passaporte de indivíduo estrangeiro em Clermont-Ferrand. Após seis meses de espera, chegou o desejado visto americano, para o qual um cidadão americano desconhecido tinha fornecido a garantia pessoal necessária. A fuga de Erna por navio levou-a de Marselha através do Mediterrâneo até à cidade portuária argelina ocidental de Oran. A partir daí continuou por via férrea para Casablanca. Chegou a Nova Iorque por navio a vapor em março de 1942.

No Novo Mundo, partilhou o destino de muitos refugiados indigentes e viveu muito modestamente como empregada doméstica entre 1942 e 1952. Foi apenas em finais de 1944 que conseguiu restabelecer o contacto com a sua família em França. Só adquiriu segurança financeira com o seu casamento com Otto Löwenthal, um comerciante que tinha fugido de Frankfurt. Desde 1953, o casal viveu em Milwaukee, Wisconsin. A partir daí, Erna Schriesheimer iniciou vários processos de indemnização contra o estado alemão.

Ao contrário das suas irmãs que se tinham mudado para França antes de 1930, ela foi capaz de fazer prova documental em relação aos danos causados nos seus bens, razão pela qual foi ela a desempenhar o papel principal nos processos de indemnização. Começou por apresentar um pedido de indemnização por pilhagem do recheio da casa de seus pais, que acontecera através de confisco e leilão do mobiliário, no Tribunal Distrital de Karlsruhe, no montante de 19.529 marcos alemães. A Direção Geral de Finanças do arguido salientou que as receitas do leilão do recheio da casa, de 1940/41, tinham ascendido apenas a 2.190,60 marcos do Reich. A revenda, politicamente pretendida da propriedade judaica, que constituía uma das oportunidades de enriquecimento oferecidas pelo Estado Nazi, para assegurar a lealdade da massa de conformistas na população, que havia sido efetuada por uma fração do seu valor atual, não foi mencionada.

Em 1960, as duas partes acordaram numa indemnização de cerca de 50% do valor dos danos reclamados, que os quatro irmãos partilharam entre si. Em termos de reparações pessoais, Erna Löwenthal-Schriesheimer recebeu uma indemnização, a 27 de abril de 1956, pela sua deportação, que foi declarada como „prisão“, incluindo a sua estadia no campo de Gurs (450 marcos alemães para os 115 dias de “prisão”). Um acordo em 1966 pôs fim à luta pela justiça que se arrastava há quase duas décadas. Pouco tempo depois, morriam, primeiro, Otto Löwenthal e, em 1968, Erna Schriesheimer (que faleceu no seu país de adoção, nos EUA), ambos com 61 anos de idade.

Fritz Schriesheimer
Fritz, que tinha trabalhado como contabilista na empresa têxtil Blicker, em Karlsruhe, já tinha sido despedido em 1935, no decurso da alegada „arianização“ da empresa. Privado das suas perspetivas profissionais, partiu ilegalmente para França, em setembro de 1938, dois meses antes do seu 27º aniversário, porque não queria esperar pela longa aprovação do seu pedido de visto para os EUA.

Até à Guerra, não pode trabalhar em França por falta de licença de trabalho. Após a eclosão da Guerra, foi preso e depois prestou serviço militar no Norte de África até ser desmobilizado, em setembro de 1940. Num curriculum vitae para o Gabinete Estatal de Reparações de Guerra de Baden-Württemberg (Landesamt für Wiedergutmachung Baden-Württemberg), descreve como foi levado para um campo de trabalhos forçados perto de Colomb-Bechar, na Argélia, após ter sido dispensado do serviço militar. No meio do deserto do Saara, os trabalhadores tiveram de partir rochas que eram utilizadas para construir uma linha ferroviária, alimentando-se com rações pobres e sob grande calor. Em fevereiro de 1941 foi libertado de um segundo campo em Kerzaz.

De volta a França, trabalhou primeiro como trabalhador agrícola e depois escondeu-se entre agricultores, usando papéis falsos até à libertação do país dos nazis. Em 1948, casou-se com uma mulher judia com dois filhos, cujo primeiro marido tinha sido deportado e morto.

No processo de indemnização de Frédéric Richemer, como se autodenominou após a guerra, contra o Gabinete Estatal de Reparações de Guerra de Baden-Württemberg por danos na sua progressão profissional, reclamou 21.578,40 marcos alemães. Profundamente desapontado, rejeitou o acordo apresentado, em 1957, que previa uma reparação de somente 8.315 marcos alemães. Em vez disso, em 1964, intentou uma ação de indemnização por danos à integridade física e à saúde, apresentando um parecer de um perito neuropsiquiátrico preparado em Paris, que atestava depressão, delírios de perseguição e incapacidade parcial de trabalhar devido a transtorno de perseguição.

O pedido de Fritz Schriesheimer foi indeferido, em 24 de fevereiro de 1970, pela 2.ª Câmara de Compensação de Guerra do Tribunal de Primeira Instância de Karlsruhe, assim como também foi indeferido o seu recurso, em 28 de junho de 1972, pelo 12.º Senado Civil do Tribunal de Recurso de Karlsruhe. De acordo com as razões apresentadas, os oficiais médicos franceses não tinham feito quaisquer perícias exatas. Seguiu-se a avaliação de Karl Peter Kisker, professor na Universidade de Hanôver, que, com regularidade, emitiu parecer sobre os distúrbios psicológicos das vítimas de perseguição nazi como resultado de estados temporários de exaustão, coadjuvando e incentivando uma guerra em pequena escala contra as vítimas. Fritz Schriesheimer teve de se contentar com uma pequena compensação após a maratona de oito anos de julgamento. Nascido em Germersheim, morreu em 2003 numa aldeia remota na Bretanha.


13. A família Schwall

Os atores independentes, Arthur Schwall e Eva Heitner, pais de Hans Helmuth, nascido em Sondernheim, em 1923, tinham-se casado em Berlim, em 1922, e mais tarde mudado para Karlsruhe-Daxlanden, a paróquia natal do noivo, que provinha de uma família de estalajadeiros há muito aí estabelecida („Krone“). O sucesso artístico moderado dos atores obrigou Arthur Schwall a trabalhar a tempo parcial como inspetor na fábrica de tijolos de Sondernheim, localidade onde o seu filho nasceu.

A partir de 1929, dirigiu o cinema „Kronen-Lichtspiele“, em Daxlanden, a tempo inteiro. A sua esposa judia não ortodoxa, nascida e criada em Berlim, filha de um alfaiate independente, iniciou a sua carreira artística, em 1915, em vários teatros em Berlim. De acordo com um pedido de indemnização, redigido em 1957, recebeu um contrato a longo prazo no Teatro da Corte Grã-Ducal em Oldenburg em 1917 e mais tarde atuou no palco do teatro ambulante de Hesse (Hessische Landeswanderbühne), de Darmstadt.

Após o seu casamento em novembro de 1922, ela e o seu marido estiveram no teatro municipal de Aarau e Chur na Suíça, e a partir de 1926, em Karlsruhe, no teatro Badische Bühne, até que o regime nacional-socialista pôs fim à atividade cénica de Eva Schwall. No âmbito das perseguições nacional-socialistas, a sua não admissão na Câmara de Cultura do Reich e na Câmara de Teatro do Reich, devido à alegada “raça”, significou o fim de carreira para a atriz de 36 anos.

O seu denominado „casamento misto privilegiado“, com um cristão, não a protegeu da discriminação contra os judeus. Eva Schwall vendeu bilhetes no cinema do seu marido até ser também proibida de o fazer pelo líder local do grupo NSDAP, em 1936. Seguiram-se mais situações de assédio por parte da Gestapo. São disso exemplo ter recebido uma intimação por colher flores na „floresta alemã“ e por não usar uma estrela judia, embora não fosse obrigada a fazê-lo como esposa de alguém que era tido na ideologia nazi como “ariano”. Quando envia uma encomenda a uma judia de Germersheim, Bertel Kahn, que tinha sido deportada para o campo francês de Gurs, também foi hostilizada à conta disso.

No início de fevereiro de 1945, foi deportada para o campo de concentração de Theresienstadt juntamente com todos os outros judeus que viviam em casamentos tidos como “mistos” e que ainda viviam em Karlsruhe. Na sua angústia, Arthur Schwall recorreu a um amigo ginecologista, Dr. Philipp Schmid, cuja postura anti-nazi era bem conhecida. O médico deu-lhe uma injeção que provocou uma febre alta. Consequentemente, Eva Schwall foi declarada inapta para o transporte pelo funcionário da saúde pública. No entanto, o casal continuou a viver num medo constante.

A 4 de abril de 1945, as tropas francesas ocuparam a capital de Baden. Eva Schwall estava agora a salvo, mas a sua saúde ficou permanentemente afetada como resultado da proibição profissional e do receio de deportação. Sofreu de ataques cardíacos, e durante toda a sua vida de medo de morrer paralisante bem como de transtorno de perseguição. O seu pedido de reparação, de agosto de 1949, foi rejeitado em fevereiro de 1953. O julgamento baseou-se numa opinião de um perito da clínica Rudolf Krehl de Heidelberg, que atribuiu os transtornos psicológicos a queixas da menopausa, considerando a perseguição nazi como sendo apenas um „fator contributivo“ para os seus transtornos e avaliando uma redução de capacidade laboral de apenas 30%. Quando o advogado de Eva Schwall quis recorrer, em 1957, rapidamente acordaram num pagamento mensal de pensão de 147 marcos alemães. Após dez anos de luta, Eva Schwall, agora com 62 anos, aceitou uma indemnização de 7.500 marcos alemães.

Hans Helmuth Schwall
Hans Helmuth Schwall nasceu a 27 de setembro de 1923, em Sondernheim, que faz parte de Germersheim, desde 1972. De acordo com as chamadas Leis da Raça de Nuremberga, foi classificado, como filho de mãe judia, na categoria de „mestiços de primeiro grau“. Teve de se tornar membro da Juventude Hitleriana contra a sua vontade (a partir de 1.12.1936, havia uma filiação obrigatória para todas as crianças a partir dos 10 anos de idade), para, no entanto, ser excluído pouco tempo depois, por causa da sua mãe ser alegadamente “não ariana”. Entretanto, todas as outras organizações e clubes juvenis tinham sido proibidos. Mesmo no bar do seu tio, a família já não era bem-vinda. Aos 18 anos, Hans Helmuth viu a sua mãe ser interrogada pela Gestapo.

Hans Helmuth Schwall frequentou a escola comercial e tinha a pretensão de prosseguir os seus estudos na escola comercial superior, após passar o exame para obter o bacharelato comercial. Não passou, porém, neste exame. Mais tarde justificou ter chumbado no exame devido à sua ascendência, uma vez que nesta época já não era suposto os indivíduos tidos como “meio-judeus” frequentarem escolas superiores. Tirou um curso profissional e trabalhou para o jornal Badische Zeitung, de Karlsruhe. Em 1941, não passou a prova de aptidão militar, pelo que não foi recrutado, tendo permanecido na sua profissão de jornalista. Era nesse jornal que eram impressos os cartões de racionamento para Karlsruhe. Durante o denominado destacamento de trabalho, em março de 1944, cerca de 2.000 pessoas, alegados “mestiços judeus”, maridos de mulheres judias, bem como pessoas de etnia cigana, foram levados da principal estação ferroviária de Karlsruhe para Saarlouis. Hans Helmuth pertencia a este grupo. Os seus pais foram informados em termos inequívocos de que seriam levados para o campo de concentração se o seu filho escapasse.

Em França, estes deportados, juntamente com os prisioneiros libertados, tiveram de construir armazéns subterrâneos e salas de produção, na margem alta do Sena, em turnos diurnos e noturnos de doze horas, até setembro de 1944. Em agosto de 1944, Helmuth Schwall foi requisitado como motorista de camião para uma unidade de transporte perto de Rouen, para apoiar o transporte de retorno perante os avanços dos Aliados. Eventualmente, recebeu ordens de marcha para Essen juntamente com outros trabalhadores forçados. A partir daí, conseguiu regressar a Karlsruhe. A família tinha assim sobrevivido à Guerra e às represálias dos nacional-socialistas, mas não sem pagar um preço muito elevado.


14. Auguste (Gustel) Margareta Victoria Töpfer

No início da década de 1990, batizou-se uma rua de Germersheim com o nome de Auguste (Gustel) Töpfer, certamente a mais conhecida dentre as vítimas judias do nacional-socialismo de Germersheim. De acordo com declarações oficiais, ao nomear a rua Gustel-Töpfer-Straße, na verdade um beco discreto, num novo loteamento de Germersheim (Mittelgrund), prestava-se homenagem simbólica e representativa „a todos“ os perseguidos do regime nazi.

A esse respeito, o histórico da homenagem não deixa dúvidas: por ocasião do 40.º aniversário do colapso do regime nazi e do fim da Segunda Guerra Mundial, os vereadores do Partido Social-Democrata Alemão (SPD), de centro-esquerda, solicitaram, em maio de 1985, que a rua onde Auguste Töpfer havia morado, no centro da cidade, (na Schillerstraße, hoje denominada 17er-Straße) lhe fosse dedicada. Além disso, uma placa comemorativa deveria indicar o local da antiga sinagoga na rua Oberamtsstraße. A maioria dos vereadores era, em princípio, a favor de nomear uma rua em homenagem a Auguste Töpfer, mas o processo de decisão, em relação à escolha da rua, foi prorrogado.

Em 1986, o Partido dos Verdes Alemão propôs ainda que a recém-criada praça na esquina das ruas Eugen-Sauer-Straße e Sandstraße fosse batizada em homenagem a Gustel Töpfer e designada como „Praça da Comunicação“. Mas o que aconteceu foi algo bem diferente: alguns anos depois, o nome de Auguste Töpfer, assassinada em 1942 no campo de extermínio de Auschwitz, aparece na placa de uma rua bastante periférica, que dificilmente atrai alguma atenção para a biografia de Auguste Töpfer.

O pai de Auguste, Bernhard Töpfer, que havia imigrado da Boêmia para Germersheim, iniciou, em 1888, um comércio atacadista de grafite, talco e terra colorida num imóvel na rua Schillerstraße (n.º 332, hoje em dia denominada 17er-Straße 13), junto a uma manufatura de polimento para fogões e graxa para sapatos, instalada no prédio dos fundos.

Pouco antes, o jovem de 29 anos havia-se casado com Emma, a mais velha de oito filhos do fabricante Joseph Dreyfus. Na localidade vizinha de Lingenfeld, Dreyfus dirigia uma fábrica de fósforos e de graxa conhecida por „fábrica química“.

As filhas de Bernhard Töpfer, Friderike e Auguste, nasceram na casa de seus avós maternos, em Lingenfeld. No fim de 1911, a morte arrancou-o da sua existência burguesa próspera; apenas seis anos mais tarde, também a sua viúva faleceu. A sua filha Friederike, 14 anos, já havia falecido em 1902. No fim do outono de 1917, da família de quatro pessoas, apenas Auguste Töpfer, 22 anos, continuava viva.

Em 1906, de acordo com uma lista de moradores, todos os membros da família pertenciam à religião judaica. Entretanto, após a morte de Bernhard Töpfer, a sua viúva e a sua filha voltaram-se para a fé católica até se converterem legalmente, em 1917/18. A sua conversão ao cristianismo não foi a primeira de um judeu de Germersheim: Rudolf Kahn já se havia tornado protestante, em 1915. Contudo, Auguste só foi batizada em março de 1918, quatro meses após a morte da sua mãe.

Como no registo de morte já constava que Emma Töpfer era católica, é aceitável supor que essa tenha sido uma força motriz para que a sua filha se convertesse. A reorientação religiosa, porém, não a protegeu de nenhum dos ideologemas étnico-raciais com os quais os nacional-socialistas denegriam o povo judeu. Auguste Töpfer sofreu do mesmo destino: desde 1933, os católicos praticantes estavam sujeitos às mesmas restrições e assédios que os „judeus de fé“.

No outono de 1938, a propriedade de Auguste Töpfer entrou na mira da cobiça legitimada pelo movimento „völkisch“: embora, inicialmente, tenha sido autorizada a permanecer no seu apartamento, este acabou por ser confiscado. Na madrugada de 22 de outubro de 1940, Auguste Töpfer, o casal Kahn e as três irmãs Mohr, carregando apenas bagagem leve, foram levados de autocarro para a cidade de Landau, transferidos para a via férrea com outros judeus do Sarre-Palatinado e de Bade e levados para o campo de internamento de Gurs, no sopé dos Pirenéus, no sul da França.
No campo de internamento, Auguste Töpfer levou uma vida de privações. Enquanto isso, o Reich, a comarca (Gau) e o grupo local do partido nacional-socialista confiscavam os seus últimos pertences. No final de agosto de 1942, foi levada para o campo de deportação de Drancy, perto de Paris. Em 4 de setembro de 1942, o transporte n.º 28 partiu para leste até ao campo de concentração e extermínio de Auschwitz. O rasto de Auguste Töpfer perde-se na praça de seleção neste campo de concentração. Em 14 de fevereiro de 1949, o Tribunal de Comarca de Germersheim declarou o falecimento de Auguste Töpfer (determinou-se como data de morte 31 de dezembro de 1942).